Campo Alegre de Goiás: De Pouso de Boiadeiros a Celeiro Nacional
A história de Campo Alegre de Goiás é um fascinante estudo de caso sobre a evolução de um assentamento interiorano brasileiro, que, em pouco mais de um século, se transformou de um simples ponto de apoio para o gado em um protagonista da produção agrícola nacional. A narrativa histórica desse município goiano desdobra-se em fases de dependência, busca por autonomia e, finalmente, consolidação econômica.
As Primeiras Raízes e a Busca por Autonomia Administrativa
O nascimento de Campo Alegre de Goiás remonta ao início do século XIX, mais precisamente a 1833, quando a localidade era conhecida como CALAÇA, um pouso de boiadeiros sob a jurisdição da cidade de Catalão. Tais pousos eram pontos vitais nas rotas de tropas, marcando as primeiras estruturas sociais e econômicas da região. Em 1870, o povoado teve seus direitos restaurados e, em um complexo jogo de redefinição territorial, passou a se ligar ao antigo Vai-Vém, hoje conhecido como Ipameri/GO.
O marco inicial da identidade formal veio em 29 de agosto de 1901, quando a localidade foi elevada a distrito de Ipameri, recebendo o nome de Campo Alegre. Curiosamente, a identidade da região passou por uma breve, mas significativa, interrupção. Em 1944, o CRGE (Conselho Regional de Geografia e Estatística) renomeou o distrito para RUDÁ, termo com a poética significação de “Divindade do Amor”.
A verdadeira virada administrativa, a conquista da soberania local, deu-se com a emancipação. Por meio da Lei Estadual nº 893, de 12 de novembro de 1953, Campo Alegre de Goiás desmembrou seu território de Ipameri e ascendeu à categoria de município.
A Economia das Origens: Subsistência e Diversidade
Ao ser emancipado, o motor econômico de Campo Alegre de Goiás era predominantemente agropecuário, pautado numa notável diversidade produtiva. A criação de gado (tanto de corte quanto de leite), equinos e muares, ovinos e suínos era o ponto alto. Essa produção pecuária gerava toda uma cadeia de subprodutos essenciais para a subsistência e o comércio local: leite, creme, manteiga, queijo, carne e a banha de porco.
A agricultura, por sua vez, era inicialmente uma lavoura de subsistência, fruto da bravura de pioneiros que enfrentavam a falta de recursos e de assistência técnica. As “roças” eram plantadas em pequenas áreas, cultivando-se feijão, milho, arroz, algodão, café, mandioca, abóbora e hortaliças. A autossuficiência era o grande objetivo, garantindo a “fartura na mesa”. O processamento era igualmente rústico, mas eficiente:
- Mandioca virava farinha e goma.
- Milho produzia fubá e farinha de milho.
- A cana-de-açúcar, moída em engenhos, transformava-se em garapa, base para o açúcar mascavo, melado, cachaça e rapadura.
Um aspecto notável da economia inicial era a produção têxtil artesanal. O algodão e a lã dos carneiros eram transformados em fios pelas fiandeiras e, subsequentemente, em tecidos pelas tecelãs, utilizados na confecção de vestimentas, redes, cobertas e tapetes.
A Revolução da Tecnologia e a Expansão Agrícola
O método de trabalho rural na primeira metade do século XX era marcado pela simplicidade das ferramentas e pela dependência da tração animal e da força humana: arado de tração animal, enxada para a capina, plantio manual, controle de pragas via costumes populares e benzimento, colheita com cutelo e foice, e transporte por carros de boi e carroças.
As décadas de 60 e 70 representam um período de transição tecnológica. Surgem implementos como a carpideira e a matraca, facilitando o trabalho. O transporte de carga viu a chegada dos pequenos caminhões no final dos anos 60, substituindo as carroças. Contudo, o símbolo máximo da modernização, o primeiro trator, importado de São Paulo, só chegou nos anos 70.
Essa lenta, mas gradual, modernização, aliada ao avanço das técnicas, levou as plantações a se tornarem mais extensivas. Esse crescimento coincidiu com o fenômeno migratório de agricultores de pequeno e médio porte das regiões Sul e Sudeste do Brasil, que buscavam novas terras com preços acessíveis. Esses novos habitantes trouxeram consigo conhecimento e tecnologias mais avançadas, permitindo a produtividade em larga escala no Cerrado.
O bioma, antes considerado improdutivo, foi transformado em um celeiro de produção, focado em arroz, feijão, soja, sorgo, maracujá, algodão e milho. A chegada de pessoas de outros estados (paulistas, gaúchos, paranaenses, mineiros, nordestinos) e até de outras nações (japoneses) diversificou a população e injetou novas práticas culturais e agrícolas.
Essa trajetória culminou em um sucesso estrondoso: no ano de 2017, Campo Alegre de Goiás foi reconhecido pelo IBGE como o maior produtor de grãos do país, com uma produção de 17 mil toneladas, coroando a história de esforço e transformação do seu povo. A alma do município permanece ligada ao trabalho e à comunidade, expressa em sua gente “alegre e acolhedora” e em suas tradições de truco, futebol, catira, Folia do Divino e Festas Religiosas, um testemunho da resiliência cultural e econômica do interior goiano.
Por Tarcísio de Sá, com informações do IBGE e do site da Prefeitura Municipal de Campo Alegre de Goiás.